segunda-feira, 3 de outubro de 2011

LANCE TUA REDE AO MAR


texto de Inajá Martins de Almeida

Pedro se perdera naquela noite. O fantasma tirava-lhe o sono. A noite era sombria. Silêncio total. A cruz vazia. O sepulcro fechado. Sentinelas a vigiar. Ao longe estranho e minúsculo pássaro, entoava seu canto noturno. Quase um lamento. Imperceptível a ouvidos descuidados, prolongava-se ininterrupto do crepúsculo ao romper da aurora, numa vigília interminável e incansável. Na escuridão ele podia vislumbrar o horizonte, porque sabia a quem cantava. Pedro se angustiava. E rememorava.

"Pedro, tu me amas?" Pedro, tu me amas mais do que aos outros? Pedro, tu me amas?"  


"Sim, Senhor eu te amo! ... E se entristecia.

E o som ensurdecedor daquele galo a cantar vinha-lhe a mente as três negações: 


"Não conheço este homem".

Quantas vezes também nos perdemos em contradições.  Levantamos nossa voz quando devíamos calar. Permanecemos em silêncio, quando devíamos falar. Falamos movidos por ímpetos de ira momentânea, o que realmente não pretendíamos falar. Em retórica, ouvimos o que não gostaríamos de ouvir. Recuamos por demais. Avançamos impensada e impiedosamente. Pior ainda quando o discernimento foge ao entendimento dos fatos. Pensamos até em abandonar o barco.

Tal Pedro em alguns momentos, somos ágeis e hábeis em levantar a espada num golpe certeiro, mas nos acovardamos ante um ato de negação. Abrimos enorme brecha ao inimigo insolente e iminente. Deixamos que este cresça. Ao amigo consentimos que desfaleça.

Difícil? Sim, mas não para um amigo real e verdadeiro que observa toda a cena, a certa distância, pronto para oferecer um banquete. 

Assim! Rompido o silêncio, eis que Pedro sai a pescar. Seria este mais um ato de fuga? Não! Era necessário voltar ao mesmo lugar onde encontrara Aquele a quem por três vezes negara. Aquele a quem jurara morrer. Agora sentia ser necessário para Aquele viver. Ademais, aquele Pedro impetuoso, destemido e corajoso precisava sair da caverna em que se enclausurara – calabouço do seu próprio interior – e ser testemunha viva do caminho que se abrira a todos, quando naquela cruz duas palavras ecoam no espaço, num brado de vitória: - “está consumado”. 

Sim! Ali estava consumado o projeto de resgate. O corpo dilacerado, o coração traspassado por fina lança, o amargo fel na boca, o sangue derramado. Todos os pecados perdoados. Nenhuma condenação. Pedro precisava ser o testemunho vivo do perdão concedido às suas próprias fraquezas.

Às vezes também devemos voltar ao mesmo lugar onde nossa vida estancara. Devemos extrair forças supremas do nosso interior, a fim de nos libertar das correntes de ferro que não nos deixam prosseguir a jornada, em busca de novas rotas. Devemos fazer o caminho da volta ao lugar onde esquecemos Jesus, para sermos alcançados pela Sua imensa misericórdia perdoadora.

Pedro não vai só. Amigos o seguem e lançam-se ao mar como a clamar por Aquele que os encontrara tempos atrás, naquele mesmo local. Queriam pescar, mas nada pescaram. 

Será que realmente era peixe que esperavam pescar? Ou será que ao mar lançavam a rede dos seus próprios temores. A rede daquele assunto que não se concluíra. A rede de um olhar que permanecera do último instante. A rede das suas angústias pelo vazio que ficara daquela cruz. A rede das respostas para tantas perguntas não respondidas. 

Não houve tempo suficiente, ainda que muito conversassem, dialogassem ou simplesmente o acompanhassem. Ainda que seguissem juntos, estavam separados pelas palavras mal interpretadas. Pelas metáforas que precisavam ser decifradas. Três anos não foram suficientes. Agora, sentiam-se perdidos ante o vazio de apenas olhar para o corpo dependurado, dilacerado naquela cruz.

Quantos de nós podemos nos encontrar nesses pescadores? Quantos de nós apenas conseguimos enxergar nossas dores momentâneas, quando é o próprio Jesus que nos convida a ir a Ele se cansados e sobrecarregados nos encontrássemos?  

Lembravam-se das palavras de que pedra sobre pedra não ficariam daquele Templo. Mas também tinham a promessa de que jamais permaneceriam sós. Lampejos do derramar do Espírito, incompreensível quantas vezes, lançavam sinais em suas mentes sombrias. Não seria este o momento? 

O mar estava calmo. Homens se entreolhavam silenciosos. Exauriam-se na pesca. Serviço pesado, infrutífero.  Sabiam da vergonha de voltar com as mãos vazias. Mas isso não importava naquele momento. Aqueles homens se lançavam a buscar não o alimento para o corpo físico, mas o alimento para a alma – vazios encontravam seus corações. Buscavam Aquele que se entregara por eles e por toda a humanidade. Ademais, buscavam a si próprios, ainda que não percebessem.

E, num gesto de obediência, lançam a rede ao lado direito, quando já dispostos a recuar. Mediante estranha voz que clamava da praia, tentam novamente na esperança de um novo recomeço. A lembrança, da jornada empreendida durante todos aqueles anos, aquele timbre familiar, puderam trazer novo alento e as redes voltam repletas de peixes. Repletas de ânimo. Repletas de amor. Repletas de respostas. Repletas de expectativas para a empreitada que se abre a frente. Sem cobrança. Sem censura. Pedro era pescador profissional. Jesus o separa para ser pescador de almas.

Agora é Pedro que se coloca frente a frente com Aquele que jurara amar e amava. Era Pedro que nada falava, apenas observava. Era Pedro que olhava para dentro de si mesmo e encontrava aquele que julgara haver se perdido naquele ato impensado – “jamais vi este homem”. Era Pedro convidado a cuidar e pastorear os cordeiros e ovelhas do Seu Senhor.  Era Pedro,  que se levantava e com a voz empostada e forte se dirige a multidão, cheio do Espírito Santo.

Pedro sou eu. Pedro é você. Pedro somos nós. Impetuoso e audacioso em alguns momentos, covarde noutros, arrependido noutros tantos, mas acima de tudo, esperançoso por demais no porvir.   Porque é necessário olhar para os montes e ver que é de lá que vem o socorro. 

Pedro e os demais o fizeram. Não se deixaram ser vencidos. Combateram o bom combate das próprias mazelas interiores. Entenderam a mensagem de que poderiam fazer as mesmas obras e mais ainda. De que se pedissem, todas as coisas lhes seriam dadas e acrescentadas. Não receberam a graça em vão. Entenderam a tempo e o momento oportuno.

E nós? 

Somos também convidados a lançar nossas redes ao mar!
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4 comentários:

Rita Elisa Seda disse...

Inajá querida amiga. Para as negações de Pedro, Jesus foi categórico em perguntar "Você me ama?". Indagou por três vezes, o mesmo número de vezes que Pedro lhe negou o conhecimento. O Galo cantar quer dizer foi durante a madrugada. Como uma insônia! Cristo não precisava perguntar se Pedro o amava, mas perguntou até o ponto de Pedro ficar triste, pensando que Jesus não entendia o quanto O amava. Na verdade a vida é assim. Ás vezes precisamos dizer três vezes para alguém que o amamos, até que ele se sacie dessa verdade.
Seu texto é lindo. Me emocionou!
Beijos, felicidades e a paz!

Inajá Martins de Almeida disse...

Sim Rita querida.
O amor nem sempre nos dá o passaporte para uma rota tranquila. Pedro amava Jesus mas esse sentir não o impediu de o negar. De ficar à distância nos momentos cruciais. Foi muito boa tua colocação. É o galo que canta e nos faz despertar. Talvez o texto necessite alguns ajustes, mediante tuas palavras. Dizem que sempre a última produção nossa é aquela com que mais nos identificamos. Esta é uma delas. Espero que Deus me proporcione novas inspirações e que eu possa usufruir dos teus comentários tão profundos.
Obrigada querida amiga de todos os momentos.

Inajá Martins de Almeida disse...

Sim querida amiga.

O galo soprou aos meus ouvidos. O amor de Jesus que nos conclama a amá-lo incondicionalmente nos faz encontrar no exemplo de Pedro, quantas vezes também o negamos. Mas também quantas vezes ao voltar lá está Ele a nos proporcionar um banquete. Somos filhos pródigos. Ele o Bom Pai a nos aguardar de braços abertos, com festas e júbilo.
Obrigada querida amiga pela tua amizade.

Inajá Martins de Almeida disse...

sonia mello para mim
mostrar detalhes 13:25 (1 hora atrás)
Seu texto é surpreendentemente belo!
Tua alma canta aos nossos ouvidos através dessas palavras tão profundas e verdadeiras!
Tenho orgulho de tê-la como amiga!
Parabéns! Abraço Sonya


Sonya querida amiga

Recebi a mensagem por e-mail, mas quis registrá-la aqui neste espaço.
Obrigada amiga. Também tenho orgulho de tê-la como amiga.
Tuas pinturas, tuas telas retratam a pessoa sensível que você é.
Obrigada por compartilhar tua arte sempre.

http://sonyamellogirassol.blogspot.com/

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