quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O AUTOR DO SALMO



Uma cidade, rica pelo seu alto nível cultural, promove concurso, cujo intuito era conhecer aquele que detinha o dom da retórica.

Muitos se apresentam e classificados, ao final da competição, são convocados um promotor público, um poeta e um velho pastor. Muitos textos são apontados para, de improviso, apenas um, ser declamado; o tão conhecido Salmo 23 é sorteado então.

Grande expectativa assalta os moradores, que se dirigem ao teatro local, para assistirem aquele duelo de oradores.

O promotor é logo convocado a se apresentar. Altivo, voz postada, sabia como ninguém declinar o verbo. Detentor da palavra – e da retórica – esta lhe saia forte, eloqüente; aos ouvintes convencia, ao ponto de ao término da apresentação, todos se postarem unânimes em aplausos e ovação.

Logo em seguida o poeta se faz presente. Com a rima e com a métrica, transforma o Salmo 23 em melodioso verso, que salta dos seus lábios, quebrantando o mais duro coração. Os presentes, confusos, puderam perceber que enquanto um possuía a eloqüência no falar, outro lançava dos lábios a musicalidade de uma alma de poeta. Aplaudido de pé, este consegue superar os argumentos do promotor.

Por fim, o velho pastor, humildemente se apresenta. Sua voz tênue, embargada pela longevidade dos anos, sereno adentra o palco e contempla a platéia, como se fora do púlpito, seus fiéis. O silêncio aguarda aquela que seria a última apresentação.

O velho pastor, como a contemplar o invisível, com voz suave, mas firme e penetrante, impõe as mãos no coração e discorre o Salmo 23. Seu rosto, tomado de brilhante luz, já não era mais de um velho; a jovialidade tomava conta daqueles olhos brilhantes que iluminavam o local e a todos encantava.

Ao término, olha a platéia que, às lágrimas, se queda em silêncio total. Nenhum aplauso, nenhuma ovação sequer... Não havia motivo para tal. Aquela palavra não tocara a emoção; caíra direto no espírito de cada presente – levara os ouvintes não mais a eloqüência da retórica, tampouco a melodia da métrica, mas sim à presença do Senhor – o Deus Altíssimo.

Não pudera ser outro o escolhido, senão o velho pastor e, quando o autor do prêmio foi outorgar-lhe a comenda, tomado de comoção, a voz embargada, declara:

- “O promotor soube postar toda sua retórica no Salmo, quanto ao poeta, valendo-se da métrica e da rima, para o Salmo, trouxe a musicalidade do verso, porém, o pastor conhece o autor do Salmo e com Ele tem grande intimidade”.


Texto de Inajá Martins de Almeida

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