Por Inajá Martins de Almeida
Cenas do cotidiano me chamam atenção. Desta vez fora uma
cadeira. Há tempo penso no que uma cadeira pode ser útil e ao mesmo tempo nos
tornar inúteis ante a passividade com que a ela nos rendemos.
Aquele era um espaço enorme. Mais de duas mil cadeiras
dispostas de forma harmoniosa. Um salão que podia abrigar mais de cinco mil
pessoas. Mas... Era aquela cadeira, na primeira fileira o alvo. Era a cadeira
cativa daquele homem que, todos os dias, nas mesmas reuniões, nos mesmos
horários se achegava e ali se assentava. Todos já conheciam seu hábito e
respeitavam. Seus cabelos brancos, seus passos lentos, sua voz um tanto
embargada, denunciavam sua idade
avançada e sua cadeira cativa, como se o tempo lhe outorgasse tal direito.
Um dia, um novo membro, desconhecedor dos costumes impostos
pelo homem, acomoda-se àquela cadeira. Logo advertido, não se incomoda e
permanece até que surge impoluto, altivo, aquele que durante anos ocupara o
lugar. Sem titubear impele o visitante a se evadir do local. Afinal, aquela era
a cadeira – a sua cadeira. Acostumara-se a ela. Dali podia acompanhar o
movimento dos que se prostravam ante o altar. Ao mínimo movimento distrair-se,
observar, emitir comentários. Na cadeira distraia-se cercado de outros adeptos
das cadeiras circunvizinhas.
Eu observava! Buscava novas cadeiras. Novos olhares. Novos ângulos. Afinal a mente me vinha que Jesus estava em constante movimento. Dizia não ter local para encostar a cabeça. E as cadeiras acolchoadas, fofas, macias, não me faziam frente. A casa era de Deus, portanto, os objetos a Ele pertenciam. Ele é quem dava a direção do local, da hora, do momento do encontro.
Cadeiras não me afrontam. Não me tiram o centro. Claro que há necessidades. Momentos de sentar. Permanecer assentada. Ocupações várias nos levam as tais cadeiras.
Em casa muitas cadeiras. Mas era uma que me chamava atenção. Irritava-me quantas vezes. A inércia. A prostração. A TV o alvo. Eu passava. A cadeira ancorada a outra cadeira afrontava-me ainda mais. Vez ou outra me sentava ao lado, mas logo buscava o movimento. O crochê alimentava aquele instante, quantas vezes. Mas o incômodo se agigantava, até que...
Um dia, não um dia como tantos os outros, mas um dia em que àquela situação um basta.
Eli reclina-se de tal forma que a cadeira não lhe sustém o corpo pesado e inchado. A envergadura o arremessa para trás e os ossos de seu pescoço denunciam-lhe fatal desenlace. Aquela cadeira, que por tanto tempo fora testemunha de atos permissivos dos filhos, no templo, agora se transforma em pedaços de madeira. Jaz a cadeira, como aquele que não se dera conta do tempo que a cadeira ocupara seu centro.
Ficou vazia a cadeira. Deixou de compor aquele espaço. Não me incomoda a lembrança. Saudade? Procuro me perguntar vez ou outra. Não... Não a tenho. Aquela cadeira buscava me afrontar. Tirar-me do centro. Era apenas um objeto, mas seu poder devastador tornara inanimado aquele que se assentava a ela.
As linhas podem retornar a Palavra. Exortar sobre um homem. Não um homem qualquer, mas um profeta, um sacerdote que se escorava a coluna do templo em sua velhice.
Reclinado à cadeira, o corpo envelhecido. Os olhos a lhe turvarem a visão. A mente a denunciar-lhe a senilidade era a cadeira que dia após dia servia-lhe de escudo. Engordava o corpo. Enfraquecia os músculos. Entorpecia a mente. Enfraquecia a visão. Seus horizontes limitavam-se aquele espaço apenas. Não conseguia distinguir orações. A sinceridade de corações puros. A voz de Deus lhe era distante. A cadeira, objeto de repouso, agora lhe servia de descanso eterno.
Podemos encontrar similaridade em nosso viver? Temos nossas
cadeiras separadas? Nossos lugares cativos?
Pobres miseráveis. Cegos. Mornos na fé. Cativos em tempo de
abastança.
Eis que estou à porta. Eis que lugar de honra se possa oferecer
Àquele que é o Alfa e o Ômega. O Princípio e o Fim.
Porque afinal:
Até que ponto pode uma cadeira nos distrair?
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