domingo, 27 de outubro de 2013

A MULHER ANTE A CONDENAÇÃO

Texto de Inajá Martins de Almeida

Nos arredores do templo, grande tumulto. Vozes. Gritos. Uma Mulher. Vergonha. Humilhação. Escárnio. O adultério flagrante gera a confusão. 

Um homem. O alvo. Letras tecidas a terra, demonstram mansidão ante o fato iminente.

Escribas e fariseus apontam à mulher. A Lei deveria ser aplicada. O apedrejamento – a sentença. A condenação brutal ao menos passara pelo crivo do júri. Era a mulher. 

Mas... Onde o homem? O parceiro? Quiçá encontrá-lo! Não se cogita. Não se faz menção. Percebe-se o levante do Édem:

- A mulher que me deste por companheira...

Agora vozes, nos arredores do templo, em uníssono, gritam. Proclamam. Acusam. Continuam acusar... Um homem na terra escreve, absorto em seu universo. Até que...  

Segue-se o silêncio. Sepulcral silêncio. Olhares. Pensamentos de condenação.  Quando um olhar, olhar de justiça, encontra olhares de acusação.  É quando a voz mansa, suave, firme, impoluta,  esparge uma sentença:

- Aquele entre vós que esteja sem pecado, seja o primeiro em atirar a pedra.

E volta a tecer. Agora a terra compactua fios tecidos. A trama que só ela pode desenredar entre os fios sublimares. Enigmática mensagem. 

E o olhar se volta. Um a um deixa o palco acusatório. Algozes vorazes. Os mais velhos primeiro, seguidos dos mais jovens. Cabisbaixos afastam-se do fórum que improvisado fora às pressas. 

- Mulher! Onde estão os teus acusadores? Ninguém te condenou?

- Ninguém...  Senhor!

- Pois nem eu te condeno. 

Seguem-se questões. Conclave. De um lado acusadores incautos. Imprudentes insensatos. De outro um homem -  a luz do mundo. Aquele que viera para libertar o cativo em cativeiro. Ser um com o Pai. O alfa e o ômega. O princípio e o fim. Um homem, o Filho do Homem, testificava ser verdadeiro o seu juízo.

Não podiam, aqueles "sepulcros caiados", falsos doutores da Lei,  fátuos, conhecerem o Pai. Não podiam, ao menos, reconhecerem aquele que lhes falava. Que se apresentava em carne. O entendimento dúbio lhes cegara a visão. O poder - pesada indumentária os denunciava - entorpecia suas audições. Só não lhes tolhia mentes e palavras que, torpes, infundadas, saltavam-lhes boca, em ríspidas conjeturas.    

Diziam-se sabedores das Escrituras, intérpretes da Lei. Mas, em verdade, não eram capazes da  interpretação:

- “Não seriam confundidos os que nele esperavam”, registrava o profeta Isaias.  Liam, entretanto, não digeriam. Não aplicavam-se à leitura. Insensatos. Pobres miseráveis.

Entretanto, à mulher, eis que aquele homem, coloca um caminho em seu deserto.

“Eis que todos os que inflamaram contra ti serão envergonhados e humilhados, e os que se opõem contra ti serão como nada, e perecerão”.  

Volta a baila o profeta Isaias. Jesus jamais se furta às Escrituras e torna presente o que dele se escrevera.

Será que à mulher fora dado conhecer as entrelinhas do texto? Fora instruída na Lei? Apenas, acuada como animal, encolhe-se. Queda-se por terra.  Aguarda pela sentença derradeira.

“Não temas! Estou contigo! Não te apavores! Sou teu Deus! Eu te fortaleço! Eu te ajudo! Eu te sustento com a destra da minha justiça... Tu és minha serva. Eu te escolhi. Não te rejeitei”.

"Saiba que irei adiante de ti, e aplainarei os lugares montanhosos; arrebentarei as portas de cobre, e arrancarei os ferrolhos de ferro. Te darei os tesouros escondidos, riquezas ocultas, para que saibais que eu sou o Senhor... Aquele te chama pelo ” teu nome”.

Tudo fora previamente registrado. Nada se furtara ao profeta que pode confessar "aí de mim, porque sou um homem de lábios impuros e vivo entre um povo  de impuros lábios, e meus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos... Eis-me aqui, envia-me a mim..."

Era o profeta Isaias que podia registrar a vinda do Messias. Nada se ocultara. A nação fora eleita. Mas... - "Será levada para o exílio, por lhe faltar entendimento; seus nobres serão homens famintos; e sua multidão se secará de sede".

Nada passara em branco àquele Homem.

- Vai! E não peques mais...

Agora a mulher sabe. Agora ela pode se levantar.   A mulher se levanta.  Agora as pedras a Ele são direcionadas. Calmamente se afasta para os montes.

Conclui-se o primeiro ato. Descerra-se a cortina do palco. Teatro em transe. Platéia em silêncio aguarda.

Eis que Jesus se reclina à mesa, em casa de certo fariseu. O tempo é passado. O cenário se compõe. A casa de Simão revela surpresas. Uma certa mulher pecadora aguarda a visita. Prepara-se para o momento. Consigo valiosíssimo vaso de alabastro.

Prostrada, a Jesus, unge seus pés com nardo fino. Molha-os com suas lágrimas. Pode enxugá-los com seus cabelos. Atitude reprovada pelo fariseu, que a tudo observa e O  repreende, como falso profeta que o julga ser.

Jesus também observa. Comenta. Agora, é a Simão que repreende. À mulher, perdoados são seus pecados.

-“Tua fé te salvou. Vai-te em paz”.

Reconhece? Seria a mesma mulher?

E nos nossos tempos. Podemos encontrar Madalenas? Marias? Tantas!...

Mulheres que se despem do seu melhor e se entregam a sonhos? Quantos falsos sonhos embalam corpos de criança em mentes envelhecidas pelo cansaço e enfado! Sonhos de mulheres. Sonhadoras mulheres. Mulheres reprimidas. Represadas. Amarguradas. Mulheres que guardam nardos finíssimos e os entregam de bom grado, sem perceber, quantas vezes, possa ser a entrega desastrosa. Dramática. Trágica quem sabe.  Quantas vezes... Até quando? 

Mulheres que se contentam com migalhas que caem da mesa. Alimentam-se como os cachorrinhos. De migalhas apenas.  Poucos contos de fada com final feliz: - E casaram-se e viveram felizes para sempre...

Não a esta mulher que a Palavra registra. Quem sabe anos de licenciosidade! Anos de abuso! Anos de desprezo!  Anos de humilhação! Anos de servidão! Anos de escravidão. Mas havia o nardo. A esperança.

Podemos reconhecer mulheres nessa situação? Quantas... Quem sabe nas ruas. Nas esquinas. Humilhadas. Nos lares. Quem sabe em templos.

Mulheres que retém lágrimas. Embasam nardos.

O segundo ato anseia pelo terceiro. No palco as cortinas ante silêncio,  retornam a sua função e se fecham. 

Agora é o sepulcro.

Mulheres silentes, chorosas. Passos lentos,  caminham. Mulheres. Apenas mulheres. 

Mulheres que não se importam com a pesada  pedra a ser removida. Mulheres que preparado tinham as vestes brancas de linho. O vaso de perfume. Mulheres que serviam para ungir e embalar aquele corpo inerte atrás da pesada pedra.

A pedra tinha de ser removida. A pedra fora removida. 

Mulheres que encontram removida a pedra. Mulheres que podem encontrar as pedras de seus sepulcros, removidas.  Mulheres que podem se olhar e se enxergarem mulheres. Ditosas mulheres. “Mariazinhas”.  Mulheres que ao buscar pelo morto, O encontra vivo.

Mulheres resgatadas da condenação pelo sangue do cordeiro. Alcançadas pela Graça.

- “Está consumado”.

Era necessário que o Filho do Homem fosse entregue nas mãos de pecadores. Crucificado,  para que, ao terceiro dia, ressuscitasse. A mensagem aclarava suas mentes confusas. Em júbilo podiam partir e avisar os onze.

Eram as mulheres que testificavam e proclamavam os fatos. Mulheres. Curadas. Revigoradas. Dignificadas. Entre elas Maria Madalena.

- “Vai e não peques mais”.    

No palco a cena derradeira. O terceiro ato conclama:

Mulheres Virtuosas. Que vestem suas casas de púrpura. Mulheres que se vestem com linho puro. Mulheres. Simplesmente mulheres. 



"Portanto, agora nenhuma condenação há 
para os que estão em Cristo Jesus.

Que não andam segundo a carne, 
mas segundo o Espírito... 

Espírito de vida, em Cristo Jesus 
que nos livra da lei do pecado e da morte... "

Rm 8

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O texto fora composto sob a ótica da autora, Inajá Martins de Almeida, 
mediante a mulher pega em flagrante adultério 
João 8 e outras passagens Bíblicas.
Vale conferir todas as citações passadas e incluídas nas entrelinhas do texto.




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