Dentre tantas palavras que tenho oportunidade de ouvir – e também me dou a oportunidade de ouvir, assimilar e digerir – encontro no Livro de Atos algumas que tem me tocado profundamente nos últimos tempos.
Herodes é aclamado pelos religiosos da época, os quais também se alegram com o fato da perseguição acirrada imputada a igreja de Cristo logo após a crucificação de Jesus.
Os judeus não reconheciam “O Caminho”, denominando-o “seita” (“Aquela a que chamais seita...”) tampouco a Jesus, como por Ele mesmo dito “Eu vim para os meus, mas os meus não me reconheceram”, além do mais apoiavam um rei cruel e sanguinário que, após matar à espada Tiago, irmão de João, manda prender a Pedro, ao término da Páscoa. Entretanto, mantido sob quatro escoltas com quatro soldados cada, fortemente acorrentado a duas correntes, Pedro “dormia”, enquanto a igreja mantinha incessante oração a Deus a favor dele.
Aqui eu percebo a experiência maravilhosa que Pedro tinha com Jesus e com Deus, pois calmamente se mantinha em meio a adversidades e, mesmo acorrentado entre dois soldados, dormia.
A palavra “dormia” me chamou especial atenção, quando me percebo tempo demorado a vislumbrar um fato real em minha própria vida. Quando minha mãe, após um período de trinta e quatro dias em estado de coma num leito de hospital, vem a falecer (24.10.2004), naquela noite, após os preparativos funerários, volto para casa, abro a Bíblia e peço uma Palavra ao Senhor e esta vem através do Salmo 145, juntamente com um sono e uma paz perene, explicável apenas para aqueles que buscam uma experiência com Deus em sua vida.
e levanta a todos os que estão caídos” (Sl 145:14)
“O Senhor está perto de todos aqueles que o chamam,
de todos os que o invocam em verdade”. (Sl 145:18)
Parei tempo demorado nessa passagem, imediatamente a próprio punho escrevi no rodapé da Bíblia:
_ “o Senhor me mandou o consolo neste dia em que minha mãe faleceu (24/10/04); o Senhor levanta os abatidos”
A seguir, inexplicavelmente caí num profundo sono, vindo a acordar ao amanhecer, quando os preparativos para a cerimônia do traslado se faziam necessários. Seu sepultamento aconteceu na cidade de Araras no dia 25/10/04 as 16 horas, após o que voltamos, Alexandre, Elisabete, David, meu pai e eu, para Ribeirão Preto, todos silentes, sem palavra alguma pronunciar durante o percurso aproximado de 150 quilômetros . Ivani, Juliana e Wagner dirigiram-se para Campinas, os demais parentes e amigos, em Araras permaneceram, cada qual a seguir o cotidiano de suas vidas.
“Em paz eu pude deitar e dormir, porque só tu,
Senhor, me fazes habitar em segurança”. (Sl 4:8)
Pedro havia conhecido a Jesus, andado com Ele, presenciado Seus milagres, negado-o também por três vezes, mas esse fato não apagou a força do Deus vivo dentro de si. Estava não só envolvido, mas comprometido com a Palavra. Sabia que ainda que morresse a vida eterna lhe fora prometida, por Aquele que viera para dar vida e vida em abundância, que no mundo passaria por muitas aflições, mas, que, as enfrentassem com bom ânimo, posto que o mundo por Ele fora vencido.
E a Palavra exorta que, enquanto Pedro dormia, Deus enviava um anjo o qual, tocando-o, o faz despertar dizendo:
_ “levanta-te depressa”.
Outra experiência vivida no mesmo período de hospitalização, junto ao leito de minha mãe. Os longos trinta e quatro dias foram cruciais para enfrentá-los. Ali era o deserto que, dia após dia, eu tinha de atravessar. Assim tentava dividir-me entre as visitas diárias, (duas vezes ao dia), o trabalho profissional, os afazeres no lar (pai e filho), a igreja e as orações.
Num desses dias, preocupada com o destino de minha mãe – a mansão eterna a chamava e eu a segurava (a separação me era dolorosa) – eis que a seu lado, fitando seu semblante inerte e sereno, uma voz penetra fundo meu âmago fazendo meu interior calar:
_ “Você está preocupada por que? Saiba que antes dela ser sua mãe, ela é minha filha!”.
Imediatamente me tranqüilizei e, aquele semblante caído que me acompanhava todos os dias, passa a espargir um brilho somente possível para aqueles que descansam no Senhor e, naquele momento eu pude perceber que realmente eu descansava à sombra do Onipotente.
Percebi claramente que Deus falava comigo e “depressa” me coloquei de pé.
No apartamento, o teclado silente a um canto da sala, pedia para que a vontade de minha mãe fosse feita. Ele, que durante muito tempo pode ser expectador da alegria e prazer que minha mãe sentia ao me ouvir tocar e, vez ou outra solicitar alguma peça em especial, agora me pede que sua vontade seja feita.
Quantas vezes ela me dizia, ainda que em tom de brincadeira, para que eu executasse suas canções prediletas, quando a mansão eterna a viesse chamar e assim foi feito.
Inexplicavelmente “depressa me levantei” e pude deixar soar as melodias que, aos poucos, foram quebrando o silêncio do ambiente, enquanto os dedos autômatos percorriam as teclas brancas e negras daquele que por um longo período se mantivera calado.
“Romance de Amor”, “Ave Maria”, “Rosa”, “Barcarole” desfilavam uma após a outra, numa paz perene, possível apenas aqueles que tem os olhos fitos para o Alto.
Claro que depois da sua partida, passei por diversas situações, muitas quedas, muitas lágrimas, muitas discussões, muitas separações, muita solidão, muito deserto, não diferente de Pedro que mal pudera supor ser real o que julgara sonho – a presença do anjo, o acordar do sono, o romper das correntes, os portões de ferro se abrir por si mesmo – mas a luz do entendimento foi pedindo passagem, foi apagando feridas, limpando profundas marcas deixadas por um passado de ignorância de distanciamento de Deus, ao ponto de me agraciar com um presente vibrante, repleto de expectativa no futuro.
No ano seguinte, data do meu aniversário – 27 de março de 2005 – Deus me presenteia com minha sobrinha neta (Ana Clara) filha do meu sobrinho Alexandre. No mesmo ano conheço aquela que se tornaria minha nora; Patrícia viria trazer novo brilho ao nosso viver (ao meu, do meu filho David e ao meu pai), em abril de 2006 encontro-me com aquele que faria toda diferença ao curso da minha vida – Elvio meu fiel companheiro, meu presente real. Agora eu podia cantar: “De coração, pra coração, porque o Senhor mudou a minha vida... Estou feliz só porque Te encontrei”.
Pude perceber que meu coração não era mais somente para “decoração“; agora era de coração, para coração. E enquanto eu buscava preencher, com a presença de Deus, o vazio das perdas, Ele ia completando, o que eu, com olhos humanos não podia enxergar. Assim, pude materializar para minha vida a Sua promessa de que “não é bom que o homem viva só”.
Assim, também “depressa me levantei”, permitindo-me um recomeço. Era Deus que me tirava do sono e me pedia para caminhar.
Em junho de 2007 David, meu filho casa-se com Patrícia, unindo seus corações. No mesmo ano, outubro, Elvio deixa de ser virtual, passando ao real, quando então damos início a um relacionamento sólido. Em maio de 2008 a chegada da minha neta Rafaela cumpre a promessa de que a herança dos avós são seus netos.
Pedro caiu em si e percebeu que Deus o livrou de Herodes. Eu estou a seguir seus passos, livrando-me também dos Herodes, das sentinelas, dos portões de ferro que dão para a cidade, para as oportunidades que se abrem a minha frente, agora não mais só, mas em companhia daquele que está dando um novo colorido as minhas palavras. Com certeza, as suas palavras também estão sendo coloridas dia após dia.
Entretanto, decorridos esses quatorze anos do afastamento de minha mãe, mal supor pudera também enfrentar a segunda experiência quase que similar - 34 dias de tratamento intensivo, entre hospitalização, retorno a casa e finalmente uma UTI de quatro dias - agora com aquele que me fizera companhia por um período de doze anos. Mais uma vez tenho de entregar ao pó um ente que me foi tão grato...
Entretanto, mesmo em meio a dor imensa que sinto neste momento, posso ainda dizer e permitir que quebrada por Ti, Senhor, posso ter a certeza de que a glória da segunda casa será muito maior do que a da primeira, porque o teu cajado e o teu bordão me sustentam.
E se me for permitido solicitar a Ti um pedido, que seja este:
Entretanto, decorridos esses quatorze anos do afastamento de minha mãe, mal supor pudera também enfrentar a segunda experiência quase que similar - 34 dias de tratamento intensivo, entre hospitalização, retorno a casa e finalmente uma UTI de quatro dias - agora com aquele que me fizera companhia por um período de doze anos. Mais uma vez tenho de entregar ao pó um ente que me foi tão grato...
Entretanto, mesmo em meio a dor imensa que sinto neste momento, posso ainda dizer e permitir que quebrada por Ti, Senhor, posso ter a certeza de que a glória da segunda casa será muito maior do que a da primeira, porque o teu cajado e o teu bordão me sustentam.
E se me for permitido solicitar a Ti um pedido, que seja este:
Que o Teu cajado e o Teu bordão me sustentem todos os dias finais de minha existência - amém