sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

VEJO HOMENS COMO ÁRVORES

por Inajá Martins de Almeida

O que nos diz uma palavra? A mim, ao ler uma passagem bíblica, percorro o trecho em seus meandros e, algumas vezes, procuro tirar momento para reflexão e, principalmente, escrita. Eis-me aqui...

Percorro o capítulo 8 do livro de Marcos e as palavras me vem ao encontro, quando “naqueles dias” Jesus novamente reúne “grande multidão”.

Estanco em novamente... Quantas vezes Jesus reunia a multidão? Quantas vezes Jesus passava e grande multidão o seguia? Seria diferente nos dias atuais? A Bíblia nos coloca naqueles dias, eu estou aqui, em dias atuais a pensar nos dias presente que é a expressão de nossa realidade.

Em dias presente, há muitos locais que reúnem grande multidão, com fome, com sede, sem nada para comer, mas será que pães e peixes são entregues para serem compartilhados e multiplicados?

Como naquele tempo também almejamos sinais como fariseus que interrogam... Queremos ver a manifestação dos milagres em nós, nas pessoas, na multidão... Queremos tudo ao nosso gosto e prazer. Cuidado!...

_ "Por que esta geração pede um sinal milagroso? Eu lhes afirmo que nenhum sinal lhe será dado".

Estanco em meditação por breves segundos e percebo que Jesus se afasta, em meio ao questionamento, a falta de visão, enfim, vira as costas, entra no barco e segue à outra margem...

Vira as costas a quem? A multidão e aos seus... Aqueles que o acompanhavam...

Ouço Jesus a suplicar ao Pai em seus momentos derradeiros – “Pai não afaste de mim a tua face...”. Aqui me permito silenciar...  

Sua sensibilidade o leva a encontros – o tempo lhe é curto; Jesus sabe buscar quem o busca; Jesus sabe encontrar quem o requer... Entretanto, também nos adverte ao estarmos atentos; naquele momento era aos discípulos que falava. Hoje a nós deixa escrito:

- "Estejam atentos e tenham cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes".

E os discípulos discutiam entre si sobre a falta do pão físico... Jesus se referia ao pão espiritual... Ainda não estavam preparados. Andavam com Jesus, ouviam de Jesus, presenciavam de Jesus, mas ainda não tinham olhos e ouvidos abertos aos sinais e prodígios de Jesus. Ainda mantinham “corações endurecidos”. Viviam um tempo em que fardos da religião e da nação lhes eram impostos pesadamente. Então... Mantinham o coração endurecido pela dureza da época, ainda que Jesus caminhasse lado a lado com eles...   

O que fazemos hoje? Continuamos a discutir por pedaços de pão e bocados de peixes? Continuamos com o coração “endurecido” e a “não entender”? Continuamos a viver sob jugos pesados?  

Eis que segue o texto e um cego adentra o cenário, trazido por algumas pessoas.

“E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa”.

Outra questão me cala profundamente, ao ponto de colocar alguns porquês:

1º) Por que aquele homem? Não havia muitos entre eles? Por que somente aquele? Por que a suplica dos que o traziam? Posso imaginar amigos, parentes próximos, quem sabe até curiosos apenas. Todavia, em meu coração bate forte a presença de pessoas em súplicas.

2º) Por que o tomar pelas mãos? Aqui pressuponho que a cegueira o limitava significativamente ou, quem sabe, algum transtorno o privava da razão, do poder caminhar sozinho com os próprios recursos físicos, bom esta é minha ótica para a questão, que se abre em outras tantas. Ao segurar-lhe pelas mãos demonstrou cuidado, zelo de mãe para com um filho. Cada qual terá sua prerrogativa.

3º) Por que o levar para fora da aldeia?
Mais uma questão imaginária em minha composição. Jesus precisava estar a sós com aquele homem. Não nos é dado conhecer o diálogo mais profundo, entretanto, apenas algumas perguntas básicas, como a que permanece – “O que vês...?

4º) Por que cuspir-lhe e buscar a lama para fazer um plasma para os olhos do cego?
Eis uma questão gritante: lama, cuspe. Aqui se me abre um leque imenso de pressuposições. Imagino que Jesus se utilizou de práticas bem conhecidas daquele homem cego. Ultrajado por cuspes dos que o rejeitavam, lançado a lama pelas quedas próprias e por quais nem almejamos pensar ou pressupor. A razão é que era a linguagem sensitiva que o cego bem conhecia.

5º) Por que impor-lhe as mãos?
Aos poucos Jesus faz o cego sentir o toque suave de mãos que há tempo se apartaram do seu viver. Ao segurar-lhe pelas mãos, ao tocar-lhe os olhos dá a perceber que um novo horizonte está trazendo possibilidades outras. Possibilidades essas de resgatar a dignidade perdida na cegueira.

6º) Por que enxergar homens como árvores?
A esta questão pude investir tempo significativo, ao ponto de estar neste momento transcrevendo o que me acalmou os ânimos. Vejo homens como árvores. O que me traz a lembrança da árvore? Sombra. Alimento. Paz. Segurança. Repouso. Fantasia...  Ao cego os homens lhe proporcionavam tudo isso... Eram aqueles homens, os quais, acostumado a conviver, vistos como árvores.  

7º) E agora? Por que enxergar nitidamente?
Novamente Jesus passa suas mãos nos olhos do cego, agora sem a lama e sem o cuspe. Mãos limpas, repletas de energia que dele emanava. Mãos daquele que nos veio indicar o caminho. Mãos daquele que nos ensinar ser ele o Caminho.

8º) Por que a orientação de mandar o que agora via para casa, sem passar pela aldeia?   
O retorno a casa de onde saíra como o filho pródigo, buscando na aldeia a sedução que o levara a cegueira. Orientação forte para alguém que estivera entre jugos pesados de lama e cuspe. Orientação forte para que a casa retornasse e que se desviasse da aldeia. Orientação que a nós permanece em aberto.

9º) Por que o olhar para cima?
Aqui adentro o ápice do texto quando o homem restaurado passa enxergar claramente a todos, a partir do seu olhar para cima. Jesus não solicitou que olhasse para ele, que o enxergasse, mas que olhasse para cima, para o alto de onde emanavam todas as coisas. Jesus era o veículo a levar o cego ao Pai.

E, neste momento em que um ponto me trouxera um raio de luz para meu entendimento, passo, cada vez mais, a querer enxergar homens não tanto como árvores, mas a todos como a expressão do Pai.

Marcos - capítulo 8



    
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