por Inajá Martins de Almeida
O que nos diz uma palavra? A mim, ao ler uma passagem bíblica,
percorro o trecho em seus meandros e, algumas vezes, procuro tirar momento para
reflexão e, principalmente, escrita. Eis-me aqui...
Percorro o capítulo 8 do livro de Marcos e as palavras me vem ao
encontro, quando “naqueles dias” Jesus novamente reúne “grande multidão”.
Estanco em novamente... Quantas vezes Jesus reunia a multidão?
Quantas vezes Jesus passava e grande multidão o seguia? Seria diferente nos
dias atuais? A Bíblia nos coloca naqueles dias, eu estou aqui, em dias atuais a pensar nos dias presente que é a expressão de nossa realidade.
Em dias presente, há muitos locais que reúnem grande multidão, com
fome, com sede, sem nada para comer, mas será que pães e peixes são entregues
para serem compartilhados e multiplicados?
Como naquele tempo também almejamos sinais como fariseus que
interrogam... Queremos ver a manifestação dos milagres em nós, nas pessoas, na
multidão... Queremos tudo ao nosso gosto e prazer. Cuidado!...
_ "Por que esta geração pede um sinal milagroso? Eu lhes afirmo que nenhum sinal lhe será dado".
_ "Por que esta geração pede um sinal milagroso? Eu lhes afirmo que nenhum sinal lhe será dado".
Estanco em meditação por breves segundos e percebo que Jesus se
afasta, em meio ao questionamento, a falta de visão, enfim, vira as costas, entra
no barco e segue à outra margem...
Vira as costas a quem? A multidão e aos seus... Aqueles que o
acompanhavam...
Ouço Jesus a suplicar ao Pai em seus momentos derradeiros – “Pai
não afaste de mim a tua face...”. Aqui me permito silenciar...
Sua sensibilidade o leva a encontros – o tempo lhe é curto; Jesus
sabe buscar quem o busca; Jesus sabe encontrar quem o requer... Entretanto,
também nos adverte ao estarmos atentos; naquele momento era aos discípulos que
falava. Hoje a nós deixa escrito:
- "Estejam atentos e tenham cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes".
E os discípulos discutiam entre si sobre a falta do pão físico...
Jesus se referia ao pão espiritual... Ainda não estavam preparados. Andavam com
Jesus, ouviam de Jesus, presenciavam de Jesus, mas ainda não tinham olhos e
ouvidos abertos aos sinais e prodígios de Jesus. Ainda mantinham “corações
endurecidos”. Viviam um tempo em que fardos da religião e da nação lhes eram
impostos pesadamente. Então... Mantinham o coração endurecido pela dureza da
época, ainda que Jesus caminhasse lado a lado com eles...
O que fazemos hoje? Continuamos a discutir por pedaços de pão e
bocados de peixes? Continuamos com o coração “endurecido” e a “não entender”?
Continuamos a viver sob jugos pesados?
Eis que segue o texto e um cego adentra o cenário, trazido por
algumas pessoas.
“E, tomando o cego
pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe
as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa”.
Outra questão me cala profundamente, ao ponto de colocar alguns
porquês:
1º) Por que aquele homem? Não havia muitos entre eles? Por que
somente aquele? Por que a suplica dos que o traziam? Posso imaginar amigos,
parentes próximos, quem sabe até curiosos apenas. Todavia, em meu coração bate
forte a presença de pessoas em súplicas.
2º) Por que o tomar pelas mãos? Aqui pressuponho que a cegueira o
limitava significativamente ou, quem sabe, algum transtorno o privava da razão,
do poder caminhar sozinho com os próprios recursos físicos, bom esta é minha
ótica para a questão, que se abre em outras tantas. Ao segurar-lhe pelas mãos
demonstrou cuidado, zelo de mãe para com um filho. Cada qual terá sua prerrogativa.
3º) Por que o levar para fora da aldeia?
Mais uma questão imaginária em minha composição. Jesus precisava
estar a sós com aquele homem. Não nos é dado conhecer o diálogo mais profundo,
entretanto, apenas algumas perguntas básicas, como a que permanece – “O que
vês...?
4º) Por que cuspir-lhe e buscar a lama para fazer um plasma para
os olhos do cego?
Eis uma questão gritante: lama, cuspe. Aqui se me abre um leque
imenso de pressuposições. Imagino que Jesus se utilizou de práticas bem
conhecidas daquele homem cego. Ultrajado por cuspes dos que o rejeitavam,
lançado a lama pelas quedas próprias e por quais nem almejamos pensar ou
pressupor. A razão é que era a linguagem sensitiva que o cego bem conhecia.
5º) Por que impor-lhe as mãos?
Aos poucos Jesus faz o cego sentir o toque suave de mãos que há
tempo se apartaram do seu viver. Ao segurar-lhe pelas mãos, ao tocar-lhe os
olhos dá a perceber que um novo horizonte está trazendo possibilidades outras.
Possibilidades essas de resgatar a dignidade perdida na cegueira.
6º) Por que enxergar homens como árvores?
A esta questão pude investir tempo significativo, ao ponto de estar
neste momento transcrevendo o que me acalmou os ânimos. Vejo homens como
árvores. O que me traz a lembrança da árvore? Sombra. Alimento. Paz. Segurança.
Repouso. Fantasia... Ao cego os homens
lhe proporcionavam tudo isso... Eram aqueles homens, os quais, acostumado a
conviver, vistos como árvores.
7º) E agora? Por que enxergar nitidamente?
Novamente Jesus passa suas mãos nos olhos do cego, agora sem a
lama e sem o cuspe. Mãos limpas, repletas de energia que dele emanava. Mãos
daquele que nos veio indicar o caminho. Mãos daquele que nos ensinar ser ele o Caminho.
8º) Por que a orientação de mandar o que agora via para casa, sem
passar pela aldeia?
O retorno a casa de onde saíra como o filho pródigo, buscando na
aldeia a sedução que o levara a cegueira. Orientação forte para alguém que
estivera entre jugos pesados de lama e cuspe. Orientação forte para que a casa
retornasse e que se desviasse da aldeia. Orientação que a nós permanece em
aberto.
9º) Por que o olhar para cima?
Aqui adentro o ápice do texto quando o homem restaurado passa enxergar
claramente a todos, a partir do seu olhar para cima. Jesus não solicitou que
olhasse para ele, que o enxergasse, mas que olhasse para cima, para o alto de
onde emanavam todas as coisas. Jesus era o veículo a levar o cego ao Pai.
E, neste momento em que um ponto me trouxera um raio de luz para
meu entendimento, passo, cada vez mais, a querer enxergar homens não tanto como
árvores, mas a todos como a expressão do Pai.
Marcos - capítulo 8