Texto de Inajá Martins de Almeida
Quando nos atemos aos grandes feitos dos homens no passado,
Moisés claramente nos vem como o libertador de uma nação. Personagem bíblico
amplamente divulgado em livros, filmes, telas de pintores.
A quem se pode omitir a presença impoluta no monte Horebe detendo
as tábuas da lei nas mãos – Os Dez Mandamentos. Entretanto, uma mãe,
estrategista, articuladora, sábia, embora escrava, clama por estas linhas –
Joquebede.
Ora, uma nação eleita por Deus, mas cativa de um povo em
terras e cultura estranha? Uma nação que crescia ao ponto de assombrar os
poderosos do momento? Uma nação a quem lhe era imputada a pena de ver seus
primogênitos serem lançados nas águas do grande rio Nilo, ou exterminados no
nascimento, por estrangulamento, faz quedar em conjeturas esta que se prostra
ante os fatos.
Estranho sim! Uma nação separada, escolhida. Uma nação
escrava. Mas... A Palavra narra. Êxodo – o caminho. A saída. A partida.
Distante em séculos, o estudo presente em sala de aula ativa
mentes e corações. Um professor que relata os fatos. Alunos atentos. Um ponto
de vista que divisa nova vista. Uma linha almeja e tece pontos.
Eram os egípcios, que iriam deixar suas marcas, gerações
vindouras, por meio de suntuosas construções. Escritas estranhas, coloridas e
vibrantes, decorridos séculos, envolveriam “champoliões” a decifrar hieróglifos.
Faraós se apresentariam como conquistadores em dinastias
longas e impetuosos. “Pastores cativos” – hicsos – formariam períodos
administrativos, interpondo-se a sequência numérica do período de anos.
A fome imperava. O Egito se apresentava majestoso. José
governava. Jacó, agora Israel, sem o perceber, sem o saber, vai ao encontro do
filho sonhador. Vendido como escravo, agora tem em suas mãos a chave que trará
fartura ao seu povo que ali, no Egito faz morada.
Aos anos das cebolas adocicadas, seguir-se-ia a escravidão. À
nação que crescia saudável, vigorosa, imputada severa pena. Forçada era ver
seus nascituros meninos lançados a morte serem. E quantos o foram. Quantas mães
ceifadas do fruto do seu ventre.
Menos uma que se mantém reclusa. Planeja. Arquiteta. Uma vida
há que ser poupada. Preservada. Arão e
Miriam, filhos mais velhos, acobertam o intento. Estudam. Traçam estratégias.
Compactuam sonhos vindouros.
Juncos colhidos. Mãos que trançam fios. Tecem a esperança da
liberdade. Meses contados. Nada omitido. O percurso. O local da partida ao
local da chegada milimetricamente planejado, articulado. Olhos atentos de irmã
zelosa acompanham a trajetória.
O “grande rio” entra em cena. O “bercinho” desliza suavemente águas
claras e mansas. Sem bússola, sem leme, sem comandante lá vai a “nau”
solitária. Guiada por olhos atentos, acima de tudo, é a convicção do sucesso
real que a faz navegar.
Navega... Navega... Navega... Singelo bebê de três meses,
quem sabe, aproveita o balanço das águas. E dorme tranqüilo... E sonha o sonho
dos sonhadores... E nos faz sonhar...
Uma jovem aguarda no suntuoso palácio, à beira do rio a
chegada da pequena embarcação. Sua senhora é logo avisada. É a irmã do faraó
que se apresenta para seu banho diário, cercada aos cuidados.
O rosto sorridente da criança cativa o coração daquela linda
senhora. Cuidados são dispensados. O bebê volta para a mãe. Um salário lhe será
por paga.
Neste momento estanco estarrecida. Posso até perceber mães a
compactuarem a cena e se colocarem como protagonistas.
Mães guerreiras. Mães que lutam por seus filhos nas drogas,
na prostituição, no crime... Incansáveis transformam lágrimas em risos. Recebem
a paga da transformação.
Podemos encontrar Joquebedes em nosso tempo? Afirmo que sim,
como mãe que sou. E não poucas.
Mães de joelhos em oração. Mães em vigília. Mães reclinadas às
cabeceiras. Mães, passos firmes, deixam cerrar portões de ferro atrás de si,
para usufruir momento singular entre grades frias... Mães incansáveis.
Incansáveis mães.
Mães que nem sempre agraciadas são por salários. Mães que nem
sempre vêem seus escravos em libertadores se transformarem.
Mães acima de tudo... Simplesmente mães.
A Palavra relata muitas mães sufocarem seus rebentos. Em
águas sinuosas e repletas de percalços e animais selvagens, deixados à mercê. Não
diferente hoje, encontramos mães licenciosas na educação. Mães desatentas dentro
e fora do lar.
Mas... Como sempre há um senão, a valentia de uma mulher
chama atenção e os holofotes para si são apontados - Hoquebede.
Não obstante uma escrava e irmã – Miriã. Uma princesa, irmã
do grande faraó – mãe adotiva – encerram o primeiro ato.
Retirado das águas é Moisés que nos levará à terra prometida
nos atos subsequentes.